Estamos à um século atrás...uma história nunca contada, a malfadada história de uma Diva e do seu querido morto...
-O que sentia eu quando a via?!...Eram os olhos garços dela que me abismavam...ía eu para África e no meu coração levava aquele olhar para me confortar...Um amor não correspondido, um amor proibido, um amor perdido, um amor...
E esta é a carta que eu sempre receei escrever...E escrevi mil vezes, mas a morada onde foi entregue, nunca foi a do teu coração.
Meu amor,
Daqui está tudo como sabes, são as festas, as noitadas, as danças que já deves ter sabido por aí.Mas o que me leva a escrever-te é outro assunto.Algo tão monstruoso...mas tão belo para mim...Não sei se esta será mais uma carta que escrevo para queimar...Tantas cartas já te escrevi a contar o que tanto te quero dizer, todas elas foram apenas confortos para a minha alma, como se naqueles breves momentos em que as escrevia eu pudesse ter o poder que não tenho. Pudesse ser tão simples o que não é.Fiquei a ver cada uma delas ser queimada pela fogueira, via o seu fumo a esvair-se no ar e a levar o meu segredo outra vez...Esperava eu que tu, que tens tanto poder...a conseguisses ir buscar á lua, que a conseguisses ler, lê-la do fumo da dor em que ela se encerra.Há quanto tempo mora este segredo neste pobre coração? Talvez desde aquela tarde...ainda eu desconhecia o que era amar...e já te queria amar...Sim, Amo-te.Naquela tarde, ainda crianças fomos acuzados de incesto, sem termos sido incestuosos...mas amanheceu um sentimento que nunca descobriu a noite.Um sentimento que tem vida sozinho. Queria poder arrancar este coração, queimá-lo, espezinhá-lo.Sinto-me a maior aberração do Universo. Amar uma irmã??! È inconcebível!!! Sou produto do Demónio.Mas o que sinto por ti é tão puro...tento encontrar uma explicação...um caminho para a minha salvação.Mas que posso eu fazer? Se te vejo nos braços de outro homem, a vida termina para mim nesse momento... ciúmes me levam a querer morrer e a chegar aos astros onde mora a tua alma.Alistei-me em tudo o que podia, tentei viver o mais longe que podia de ti... para te esquecer... para te deixar viver... cheguei a deixar de te falar durante três anos... mas o amor não esmoreceu...para mal da minha cristandade crescia a cada ano...Já estou perdido minha amada.Fico eu a ver desconhecidas que se parecem contigo a andar...imagino que és tu, e ca fico eu nas ruas empoeiradas de Angola a ver-te afastar, e lá vais tu outra vez para bem longe de mim.Podia ter tido mil mulheres me meus braços,mas com nenhuma eu estaria.Só tu meu amor eu amava e até o teu nome eu chamava baixinho.Quem me dera que as encarnasses nesse momento, que me declamasses um soneto de amor enquanto eu te tocava na alma.Ando sempre com uma fotografia tua no meu bolso, nunca quero ter que te lembrar, porque significa que num breve segundo te esqueci...Mas que irei eu fazer a esta carta???Entregar-ta para nunca mais me quereres sequer olhar? Tu que és a mulher que mair terna foi comigo?! Sei que é ternura de irmã...choro...não aguento.Já fujo para os céus, porque lá te sinto na paisagem, a beleza juntamente com o perigo...Tu és assim...um ponto de fuga da realidade que a todos se encerra na mente. Vivem num deserto de palavras e tu que lhes dás o sentido de terem algum dia sido criadas.Já te pensei dizer só "Gosto muito de ti", mas até isso me custa dizer...e iria desfazer-me em sentimentos e num relance poderia já estar a beijar esses teus lábios,lábios de fogo que me queimam a alma, que me fazem rezar por eles todas as noites e adormecer enquanto palavras doces deles saem...Quantas vezes fiquei eu a ver-te a vir da escola, alegre, mas já nos teus olhos morava a Poetisa que Deus criou numa tarde de crepusculo roxo...e que quando nasceu, a noite se iluminou de raios de astros que vieram para ver a sua mais nova irmã.Tu não és minha irmã...és irmã deles...que importa o que aqui na Terra nos faz ligar a quem somos irmãos...Se o que importa é a quem nos liga o coração.E foram-se passando as Primaveras.Desde que nasci sempre vivi para te amar.Hoje vou voar...rio acima...rio abaixo. Serão as suas curvas as curvas do teu corpo e com o meu voo estarei com o teu corpo...com a tua alma...Tenho guardado comigo todas as minhas preciosidades, resumem-se ás tuas cartas, ás tuas lembranças e ás reliquias das tuas palavras...Há dois dias andaste de mão dada comigo...o que o meu coração rejubilou, o que a minha alma rezou para que aquele momento se eternizasse.A tua pele macia, pálida...pura, nunca na vida existiu mulher mais pura que tu...E andas tu a sofrer nos braços de outros homens, quando o que te faria feliz é proibido de te amar, de se expressar e de te conquistar.Irei para os céus para te esquecer, pode ser que lá bem alto conseiga fugir ao que sinto aqui na Terra que estou a pisar.Hoje subir até mais não. Irei subir até ao máximo que o avião me conseguir levar.Quero tocar os astros...onde ao teu lado queria eu morar.
Esta carta terá um destino diferente, vou atirá-la do avião ao rio e nunca me vou esquecer dela...nem de ti...Pode ser que o rio tenha o poder de me deixar amar-te...O que sinto não existe em palavras que o possam descrever, digo como toda a gente e sinto como ninguém...
Amo-te!
Teu para sempre,1927
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